“A escola é o primeiro espaço onde a criança conhece o racismo”

“A escola é o primeiro espaço onde a criança conhece o racismo”

O SINTECT-RS realizou, dia 25 de novembro, dentro da programação do Mês da Consciência Negra, um seminário que debateu “Como a discriminação e o racismo se apresenta no dia a dia do Correios”. O encontro, realizado na Sede do Sindicato, contou com a participação de trabalhadores, trabalhadoras, dirigentes sindicais e convidados.

Na abertura do encontro, o presidente do Sindicato destacou o trabalho que vinha sendo feito pela entidade com visitas nas unidades para debater o tema com a categoria. Segundo ele, foram várias as manifestações de situações vivenciadas pelos trabalhadores, tanto nas próprias unidades, como durante a jornada, nas ruas. “Daí a importância deste debate e de alertar a categoria que racismo é crime e precisa ser denunciado”.

Na sequência, o primeiro palestrante a falar, o professor da rede pública de ensino, Luciano Santos, frisou que, a escola, é o primeiro espaço onde a criança conhece o racismo e destacou que no próprio ambiente escolar há alunos e professores racistas ou que não lidam bem com o tema. Ele falou e frisou sobre os “funis pedagógicos”, que consistem na evasão de alunos negros das escolas. “Começamos a primeira séria com um número de alunos negros e na terceira é visível a redução”, alertou ele, explicando que isso se dá por várias razões, desde a necessidade de trabalhar, até a questão de que os negros e negras não se veem nos espaços escolares e vão para outros segmentos, incluindo o crime. Segundo o professor, na escola onde ele leciona, são 1.100 alunos e, destes, apenas 5% são negros.

Luciano alerta que esta é uma questão importante e ampla, que envolve os mecanismos de uma sociedade capitalista, para a qual o negro, historicamente não tem nenhum valor. Por isso, diz ele, a política de cotas é importante, mas ela é o mínimo que pode ser feito diante de tudo que os negros e negras passaram quanto a terem sido limitados e excluídos do direito de estudar. “Desde 1888 foram colocados empecilhos aos negros para aprenderem a ler. As aulas eram a noite, as distâncias eram enormes, e professores brancos se negavam a dar aulas aos negros. Por isso, as cotas são fundamentais para a população negra e da periferia”, acrescentou.

O professor criticou a privatização que vem sendo feita na educação pública do RS, que enfrenta problemas graves e em vez de buscar soluções, o governador Eduardo Leite agrava estes problemas tentando, por dentro, privatizar as escolas. Segundo ele, fundações de Bancos privados vão fazer a gestão das escolas e das coordenadorias regionais. Além disso, citou a reforma na educação, que para ele, precisa ser revogada imediatamente. “Na escola pública, várias matérias importantes para o vestibular e concurso público não precisam ser mais ministradas. Mas continuarão a ser ensinadas nas escolas privadas. Então como essa ‘gurizada’ vai concorrer lá na frente, num vestibular ou num concurso público, como o do Correios, por exemplo?”, questionou.

Outro tema abordado por ele foi em relação a obrigatoriedade da história negra nas escolas públicas, que não vem sendo cumprida nos currículos e que mesmo entre os professores vem sendo silenciada, o que contribui para o racismo. “Mas estamos resistindo, construindo a luta, levando o povo para as ruas e fazendo movimentos para superar estas questões e ao mesmo tempo fazendo a luta para resistir aos ataques privatistas à educação”, finalizou.

“FALTAM PESSOAS NEGRAS NAS UNIVERSIDADES”

Em sua fala, na sequência, a estudante oriunda de escola pública e cotista de Psicologia na UFRGS, Eduarda Magalhães, mostrou que não só no ensino fundamental e médio os negros são a minoria, mais muito mais na Universidade. Ela relatou que em toda sua caminhada a Universidade, nunca teve um professor negro, e eles também são absoluta minoria entre os estudantes. “A realidade colocada pelo professor da rede pública de ensino fundamental permanece na Universidade, onde a mínima presença de pessoas negras é gritante. Na minha turma de 40, são 4 negros que entraram pelas cotas e nem todos conseguem se manter neste espaço. Por isso, além da política de cotas, é fundamental uma política de permanência como uma forma de manter os negros e negras nas universidades e que não tenham que abandonar os estudos para trabalhar”, apontou ela.

Para a futura psicóloga, outra questão importante é a falta de estudos direcionados a saúde mental da população negra, tendo em vista o histórico e a maior exposição à violência. Eduarda lembrou que são grandes os casos de adoecimento mental nesta população, que foi muito agravado durante a pandemia. “Além do racismo estrutural, que afeta a saúde mental causando ansiedade e diversos transtornos mentais, a juventude negra é obrigada a abandonar a escola, há trabalho infantil, são as que mais sofrem com o desemprego e com a violência”, frisou. Para ela, que faz estágio Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da Lomba do Pinheiro, é preciso debater estas questões com as comunidades e, debates como este que está sendo feito pelo Sindicato, é uma forma de abrir portas, finalizou.

“NÃO É APENAS CONSTRANGIMENTO ILEGAL”

Outro aspecto abordado durante o Seminário foi a questão legal envolvendo os casos de racismo. A fala ficou a cargo do Dr. Jorge Marques, que há mais de 28 anos atua como advogado, principalmente em ações que tem como tema a questão racial, inclusive em casos com repercussão nacional, como foi o caso da titulação do Quilombo dos Silva, em Porto Alegre, o primeiro quilombo urbano a ser titulado. Depois de ler artigos da Constituição e leis que tratam sobre o racismo, simbolicamente ele rasgou os papéis, numa representação do que ocorre na vida real. “Para o Poder Judiciário a questão da discriminação racial não é configurada. Trata-se apenas de um constrangimento ilegal. Não se vê nas decisões a questão penal, indenizatória ou sentença sobre racismo. Temos uma lei que a rigor não serve para nada. Para o Judiciário, o racismo é uma simples importunação”, explicou ele.

O advogado destacou que a maioria dos casos de racismo ocorre no dia a dia, no transporte público, na padaria ou dentro das empresas privadas e públicas, como o Correios. A orientação dada por ele é de que, independentemente do espaço, é preciso denunciar o racismo. “O povo negro tem que mover processos, discutir e debater com os sindicatos, com a sociedade civil, com as federações, fazendo manifestações públicas, nas portas dos Fóruns, na porta de onde ocorreu o racismo e mostrar a cara quando convocados”.

Jorge lembra que as mudanças que houve na lei sem fiança e aumento da pena foi em função de manifestações populares frente aos inúmeros casos de racismo e pressão da sociedade civil. Nesse sentido orienta a importância de que seja feito um Boletim de Ocorrência (BO), de preferência acompanhado por um advogado, de forma que na Delegacia não seja registrado como “constrangimento ilegal”.

“UM SINDICATO NÃO PODE PERDER SUA ESSÊNCIA”

Compondo a mesa, o diretor de base da Subsede Pelotas, Emerson da Silva Saes, graduado em História, lembrou que um sindicato, além de prestar serviços, não pode perder sua essência. Os sindicatos, disse ele, surgiram de uma reação a toda a pressão que acontecia com a revolução industrial, num momento em que não tinha idade para trabalhar, não havia jornada de trabalho, nem salário, as mulheres engravidavam e trabalhavam até o parto e dois dias depois de darem à luz tinham que retornar ao trabalho. “Os sindicatos surgiram para o trabalhador enfrentar os patrões e exigir direitos, contestar o sistema e muitos partidos surgiram a partir dos sindicatos, como os partidos comunistas e o dos trabalhadores”, ensinou.

Por isso, acrescentou, a luta contra o racismo é também uma luta sindical, especialmente numa categoria onde 47% dos funcionários são negros e sofrem um processo de agressões e violência que se perpetua mesmo depois da abolição. “O Correios é a estatal que mais tem negros e negras no corpo funcional e o Sindicato não pode se omitir nesta luta”, considerou.

APOIO À CAUSA PALESTINA

Durante as falas, tanto da mesa, quando dos participantes, não faltaram apoios à causa palestina, vista como uma luta anticolonial e racista. A defesa é por um imediato cessar fogo, intervenção da ONU com a garantia de entrada de ajuda humanitária na Palestina e contra o extermínio da população palestina. Nesse sentido foi aprovada por unanimidade uma Moção de Apoio à causa Palestina. Da mesma forma, foram apresentados os problemas vivenciados pelos moradores do Quilombo do Kédi, em Porto Alegre e aprovada uma Moção de Apoio a esta comunidade que está sofrendo pressão e assédio da especulação imobiliária em uma das regiões mais valorizadas da Capital (VEJA AQUI).

Por fim, também foi deliberado que em 2024, a homenagem, no Mês da Consciência Negra, será ao colega e artista que faleceu em agosto de 2022, Simar Antunes. Ele foi demitido do Correios e estava no grupo de anistiandos do Sindicato. Atuava como ator na Casa do Artista Riograndense. Além da participação presencial, o evento também foi transmitido pelo Facebook do Sindicato E está disponível para visualização.

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Assessoria de Comunicação

27/11/2023 12:58:07

Nara Soter

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