Roda de Conversa debate questões políticas, sociais e a saúde das mulheres negras
O SINTECT-RS realizou, dia 11 de novembro, dentro das atividades do Mês da Consciência Negra, uma Roda de Conversa que debateu “A Saúde das Mulheres Negras e as Questões Políticas e Sociais”. As palestrantes convidadas para o encontro foram a professora e integrante do Quilombo Raça e Classe, Vera Rosane, e a profissional da saúde do município de Porto Alegre, Fabiana Sanguiné.
Na abertura da atividade, as diretoras do Sindicato destacaram que a ideia é realizar um mês de ações, nos moldes das realizadas em março, com debates nos locais de trabalho para tratar o tema do racismo com a categoria e, também, eventos coletivos, com convidados para ampliar o debate sobre a questão, como o Seminário que será realizado dia 25 de novembro.
As dirigentes chamaram a atenção que, assim como o machismo, também o racismo é um instrumento do capitalismo para explorar cada vez mais trabalhadores. “Cada vez que morre um negro, morre um de nós”, destacaram.
Segundo elas, a atividade do sábado (11), teve o objetivo de fomentar a campanha de prevenção e incentivar a denúncia dos casos de racismo no Correios, que assim como na sociedade é uma realidade. Lembraram que o Acordo Coletivo traz na cláusula 5ª medidas de enfrentamento ao racismo, mas que na prática não funcionam. Estes têm sido temas colocados nos debates nas setoriais para promover a reflexão e levar a ações antirracista reais.
Sobre a saúde, tratada na cláusula 41, apesar do inciso que destaca a hipertensão arterial dos afrodescendentes, de conjunto deixa de atender muitas demandas da população. Como a diabete tipo 2, que em relação a cegueira é 9% maior e entre os homens negros e 50% maior entre as mulheres negras, quando comparado aos grupos brancos. Estas são apenas algumas das questões que precisam de maior atenção por parte da empresa e das autoridades.
PIONEIRISMO
A convidada Vera Rosane iniciou sua fala destacando o pioneirismo do SINTECT-RS, um dos primeiros sindicatos a organizar uma Secretaria de Negros e Negras e convidou a todas e todas a solidariedade ao povo palestino, que vive um verdadeiro genocídio protagonizado por Israel. Para ela, não é possível falar em racismo, se o tema não for inserido na conjuntura.
Depois de fazer um relato sobre o período escravista, lembrou principalmente a situação das escravizadas, que além da mão de obra para as lavouras, ainda eram utilizadas para “reprodução” da mão de obra escrava. “Além de serem tratadas com objetivo de produção, elas também eram obrigadas a servir como objeto sexual para o senhor ou vendidas para que ele lucrasse com seu corpo. Quando a gente entende o que isso significa, entende o que significa o grande número de mulheres negras que hoje vivem do trabalho doméstico, são coisificadas como objeto sexual ou são tratadas com inferioridade”, explicou Vera Rosane.
Para a militante, estas questões permeiam o dia a dia das mulheres negras ainda hoje: “A sociedade brasileira foi construída desta forma e ainda mantém esta herança escravocrata em todas as suas estruturas. Precisamos conhecer de onde partimos para entender a importância de ações como esta do Sindicato”, finalizou.
O CAPITALISMO PRECISA DO RACISMO PARA SE MANTER
A enfermeira Fabiana, convidada a falar sobre a saúde da mulher negra, frisou que as mulheres negras são as que menos conseguem acessar o Estado para políticas públicas: “Quando se fala de saúde, se fala de causas condicionantes. Carregamos nas costas um passado histórico que diz respeito ao nosso dia a dia, nosso modo de vida, nas relações de trabalho e como ele se organiza, estrutura do Estado, educação, cultura e lazer, acesso a serviço público. E o racismo é uma determinante que perpassa todos os conceitos de saúde. Os elementos de racismo não são naturais. Os homens e mulheres negras continuam recebendo salários menores, está mais vulnerável, é vítima da precocidade nos óbitos e nas altas taxas de mortalidade materna”.
Fabiana lembrou, também, que os negros são a população que tem menos condições de alimentação, saneamento, saúde básica, educação, renda, trabalho e condições sociais. Por isso, políticas governamentais que tenham como objetivo privatizar a saúde, por exemplo, estão na contramão das necessidades da população. “Os postos públicos da Rede de Atenção Básica em Porto Alegre foram entregues para a iniciativa privada e a situação piorou”, apontou.
Com números, a enfermeira mostrou uma realidade cruel, lembrando que os dados trazidos são de 2014, pois pelo negacionismo implantado no Brasil nos últimos anos temos poucos dados atualizados, mas as evidências é que de lá para cá se os dados mudaram foram para pior. Segundo ela, as mulheres negras são as que menos conseguem acesso a mamografia; estão entre os maiores índices de gestação na juventude e não têm acesso ao pré-natal na quantidade preconizada como necessária; dos cerca de 70% da população que acessa o SUS, a maioria é de mulheres negras e 90% das mortes poderiam ter sido evitadas pelos serviços de saúde. “As doenças mais comuns na população negra, como anemia falciforme, diabetes tipo 2 e outras tem um componente genético com certeza, mas tem fundamentalmente um componente social. E quando falamos das demais doenças, como tuberculose, HIV/AIDS, é a população negra que tem menos acesso ao SUS e aos serviços públicos, portanto, são as que mais sofrem com a falta de condições de serem atendidas de fato”, concluiu.
As palestrantes abordaram, ainda, temas como a terceirização, segmento majoritariamente de mulheres negras; a falta de condições dignas de trabalho; o trabalho doméstico, colocado por elas como uma herança escravista que ainda persiste e a necessidade da atuação dos sindicatos de forma autônoma e independente, entre outros.
“O racismo se estrutura numa divisão entre quem pode exercer tarefas pensantes, que exigem qualidade teórica, e entre os que exigem qualidade braçal, e para os negros é colocada esta segunda categoria. Nunca somos vistos como capazes de exercer qualidades pensantes, por isso nunca estamos nos lugares onde nossa potencialidade teórica seja colocada. E isso é diferente de dizer que temos que partir para uma política de representatividade, onde estamos disputando cargos no poder. Precisamos entender este problema como um problema político e social”, apontou Vera.
Na sequência do encontro, foi aberto espaço para que participantes da Roda colocassem seus questionamentos e pontos de vista, momento também em que houve relatos de diversas situações vivenciadas nas unidades de trabalho e experiências pessoais.
No final, foram aprovadas Moção pelo cessar-fogo na Faixa de Gaza, com garantia de entrada humanitária na Palestina; cobrar da empresa que seja feito um debate efetivo contra o racismo nas unidades, com cumprimento e fiscalização das cláusulas que tratam o tema; e repúdio a situação dos trabalhadores terceirizados que continuam com problemas em relação ao pagamento de seus salários e benefícios.
As setoriais continuam nas próximas semanas e desde já o Sindicato convida os trabalhadores e trabalhadoras para dia 20 de novembro, participarem da Marcha em celebração a data e, no dia 25 de novembro, do Seminário “Como a Discriminação e o Racismo se apresentam no dia a dia do Correios”, que será promovido pelo SINTECT-RS na sede da entidade. Participe das setoriais e agende-se para as próximas atividades.
Assessoria de Comunicação
12/11/2023 23:14:48